Uma das três chaves teóricas centrais para as atividades do Centro de Memória Urbana é a chamada “história pública”, que tem sido desenvolvida conceitualmente, no Brasil, no arco dos últimos dez anos (Mauad, Almeida & Santhiago, 2016; Mauad, Santhiago & Borges, 2018). Entende-se a história pública como uma atitude intelectual desdobrada em um conjunto de estratégias que visa aproximar o conhecimento histórico e seus diferentes públicos em quatro engajamentos, fortemente permeáveis: na ampliação das audiências para o conhecimento histórico produzido no ambiente universitário (história para o público); no reconhecimento da legitimidade das interpretações sobre o passado desenvolvidas por agentes não acadêmicos, em uma ação historiadora crítica e criativa que amiúde mira a intervenção no presente (a história feita pelo público); na reflexão sistemática sobre as apropriações do passado por indivíduos, comunidades e instituições (história e público); e na construção participativa do conhecimento histórico (história com o público).

Em diálogo com a noção de “autoridade compartilhada” desenvolvida por Michael Frisch (1991), este último engajamento constitui uma instância fundamental para as atividades do Centro de Memória Urbana, dentro do qual a história pública é tomada como uma prática reflexiva que constrói conhecimento em diálogo próximo com os sujeitos e grupos considerados indutores da reflexão acadêmica, e não apenas a respeito deles. A noção de “história pública” contribui, assim, para balizar entre a prática e a teoria a dimensão extensionista de cada uma de suas atividades, bem como para evidenciar a conexão íntima entre as mesmas. Explicita, assim, o entendimento do CMUrb um espaço de produção crítica e socialmente compartilhada do conhecimento.

A outra chave teórica relevante para o Centro de Memória Urbana é a própria noção de “memória”. A amplitude da área acadêmica hoje chamada “estudos da memória” contribuiu enormemente para a expansão e a redefinição permanente do conceito, de modo que nos dias atuais uma série de adjetivações são encontradas: fala-se não apenas em memória coletiva mas também em memória social, cultural, comunicativa, pública, popular, nacional, comunitária, etc. Tais apêndices descritivos têm denominado e permitido a exploração da variedade e das “complexidades das relações entre passado e presente naquilo que elas são mediadas através das materialidades e dos processos de instituições e práticas públicas, sociais e culturais” (Radstone, 2008, p. 33). Centros de memória, assim, devem estar atentos aos processos dinâmicos de reconfiguração teórica e conceitual do próprio objeto a que se dedicam e que lhes nomeiam.

Assim, embora tradicionalmente associados à guarda de objetos preservados por seu significado histórico -- e, eventualmente, por seu valor material mesmo --, centros de memória pressupõem elasticidade. Contemplam uma variedade de matrizes, mecanismos e formas de expressão não-canônicas do histórico e do memorial -- das lembranças pessoais, transmitidas narrativamente, às formas de inscrição da memória no espaço e no tempo fluidos (por meio da performance, do resíduo, da arte urbana). É particularmente afinada a essa perspectiva abrangente a adesão às noções de “memória cultural” e “memória comunicativa”, desenvolvidas por Aleida Assmann (2011) e Jan Assmann (2008) como dois modos de lembrar: a primeira, como um saber compartilhado por um conjunto de pessoas, objetivada em formas simbólicas estáveis e passíveis de transmissão através de situações transcendentes; a segunda, com uma estrutura temporal reduzida, fortemente dependente dos gêneros de comunicação cotidiana.

Por fim, como terceiro elemento orientador das atividades do CMUrb, tem-se a sonora e polissêmica noção de “lugar de memória”, desenvolvida pelo historiador francês Pierre Nora em sua influente obra Les Lieux de Mémóire. Mais do que sugerir a conexão entre lembranças e recortes geográficos, ela motiva para a reflexão acerca dos pontos de apoio -- grupais, coletivos, públicos, nacionais, etc. -- da rememoração. Na esteira das reflexões de Nora (1989), compreende-se que a memória é vivida pelos sujeitos sociais em sua realidade interna, necessitando contudo de suportes exteriores e de referências tangíveis que garantam sua sobrevivência. Assim, o CMUrb admite sua função como um lugar central para que memórias subrepresentadas no plantel de histórias legitimadas institucionalmente ganhem espaço.